Ayn Rand era uma libertária?

Ayn Rand foi contra o movimento libertário do seu tempo. Em 1971 ela escreveu:

Para que fique registrado, eu vou repetir o que já disse muitas vezes: eu não vou endossar ou me juntar a nenhum grupo político ou movimento. Mais especificamente, eu desaprovo, não concordo e não tenho conexão com a mais recente aberração de alguns conservadores, os chamados “hippies da direita”, que tentam enganar os mais jovens ou mais descuidados dos meus leitores alegando simultaneamente serem seguidores da minha filosofia e defensores do anarquismo. Qualquer um que proponha essa combinação confessa sua incapacidade de entender ambos. Anarquismo é a noção mais irracional e anti-intelectual ligada ao pensamento concreto*, fora de contexto e adoração de uma minoria do movimento coletivista, ao qual ele pertence.

(N.T. de acordo com a autora, a visão chamada de “concrete-bound” caracteriza-se pela negação das abstrações)

— “Brief Summary,” The Objectivist, Vol. 10, Sep. 1971

E em 1972, ela escreveu:

Acima de tudo, não se juntem aos grupos e movimentos ideológicos errados a fim de “fazer algo”. Por “ideológico” (neste contexto), quero dizer grupos ou movimentos proclamando alguns objetivos políticos, vagamente generalizados, indefinidos (e normalmente contraditórios). (Por exemplo, o Partido Conservador, que subordinou a razão à fé e substituiu o capitalismo pela teocracia; ou os “libertários” hippies que subordinaram a razão aos seus caprichos e substituíram o capitalismo por anarquismo.) Participar desses grupos significa reverter a hierarquia filosófica e abrir mão de princípios fundamentais em troca de alguma ação política superficial que está fadada ao fracasso. Isso significa que você ajuda a derrotar suas ideias e a vitória dos seus inimigos. (Para uma discussão das razões, veja “The Anatomy of Compromise” no meu livro Capitalism: The Unknown Ideal.)

— “What Can One Do?” The Ayn Rand Letter, Vol. 1, No. 7

Rand era frequentemente questionada sobre os libertários e o Partido Libertário nas perguntas e respostas que seguiam suas palestras. Aqui, das páginas 72-76 das respostas de Ayn Rand Answers: The Best of Her Q&A, ed. Robert Mayhew, são algumas dessas perguntas e suas respostas. (no excerto abaixo, “P” representa a pergunta, “AR” representa Ayn Rand, “FHF” é usado para Ford Hall Forum, um local onde Ayn Rand era frequentemente convidada a falar, “OC” para Objective Communication, um curso lecionado por Leonard Peikoff no qual Ayn Rand participou em algumas perguntas e respostas e “71” para o ano de 1971.)

P

O que você pensa do movimento libertário?

AR

Todos os tipos de pessoas hoje se chamam de “libertários”, especialmente algo que se chama de Nova Direita, que consiste em hippies que são anarquistas ao invés de esquerdistas coletivistas; mas anarquistas são coletivistas. Capitalismo é o único sistema que exige uma lei objetiva absoluta e os libertários combinam capitalismo e anarquismo. Isso é pior que qualquer coisa proposta pela Nova Esquerda. Isso é uma piada de filosofia e ideologia. Eles criam slogans, saem divulgando duas ideias que são opostas e tentam seguir as duas ao mesmo tempo. Eles querem ser hippies, mas não querem pregar o coletivismo porque esse trabalho já está sendo feito. Mas o anarquismo é uma consequência lógica do lado anti-intelectual do coletivismo. Eu poderia lidar com um marxista com uma maior chance de encontrar algum tipo de compreensão e com muito mais respeito. Anarquistas são a escória do mundo intelectual esquerdista, que os abandonou. Assim a direita pegou outro descarte esquerdista. Isso é o movimento libertário. [FHF 71]

P

O que você pensa do Partido Libertário?

AR

Eu prefiro votar no Bob Hope, os Marx Brothers ou Jerry Lewis – eles não são engraçados como John Hospers e o Partido Libertário. Se Hospers tiver dez votos além de Nixon (que eu duvido que ele terá), será um crime moral. Eu não me importo com Nixon e eu me importo ainda menos com Hospers; mas este não é o momento de se engajar na busca publicitária que todos os partidos políticos estão fazendo. (George Wallace não é um grande pensador – ele é um demagogo, embora com alguma coragem – mas até ele teve o bom senso de ficar em casa desta vez.) Se você quer espalhar suas ideias, o faça através da educação. Mas não se candidate a presidente – nem mesmo para um caçador de cães – se você vai ajudar McGovern (N.R. McGovern foi o candidato à presidência dos EUA pelo Partido Democrata nas eleições de 1972 ). [FHF 72]

P

Qual é a sua posição em relação ao Partido Libertário?

AR

Eu não quero perder muito tempo com isso. Isso é uma tentativa barata de publicidade que os libertários não terão. Eventos de hoje, particularmente Watergate, devem ensinar qualquer um com noções políticas amadoras que eles não devem se precipitar na política, afim de obter publicidade. Os problemas são tão sérios hoje que para formar um novo partido com tantos imaturos e alguns pegando ideias emprestadas – eu não vou dizer de quem -, é irresponsável e no contexto de hoje até mesmo imoral. [FHF 73]

P

Libertários defendem políticas que você defende, como você pode ser contra o Partido Libertário?

AR

Eles não são defensores do capitalismo. Eles são um grupo de buscadores de publicidade que se envolve na política prematuramente, porque supostamente querem educar as pessoas através da campanha política, o que não pode ser feito. Além disso, sua liderança consiste em homens de toda persuasão, desde conservadores religiosos até anarquistas. Muitos deles são meus inimigos: eles gastam o tempo deles me denunciando enquanto plagiam as minhas ideias. Agora, isso é um mau sinal para um suposto partido capitalista ao começar por roubar ideias. [FHF 74]

P

Você já ouviu falar do candidato a presidente libertário Roger MacBride? O que você pensa dele?

AR

Minha resposta poderia ser “eu não o conheço”. Não há nada para ouvir. O problema do mundo hoje é filosófico; apenas a correta filosofia pode nos salvar. Mas esse partido plagia algumas das minhas ideias, as mistura com o exato oposto – com religiosos, anarquistas e todos desajustados intelectuais e escórias que eles podem encontrar – e eles se chamam libertários e estão tentando se eleger.

Eu não gosto de Regan ou Carter; eu também não sou entusiasta de outros candidatos. Mas os piores deles são gigantes em comparação com qualquer um que tente algo não filosófico, baixo e pragmático como o Partido Libertário. Esse é o último insulto às ideias e à consistência filosófica. [FHF 76]

P

Você acha que os libertários comunicam as ideias da liberdade e do capitalismo efetivamente?

AR

Eu não acho que plagiadores sejam efetivos. Eu não li nada dos libertários (quando eu li eles, há alguns anos) que não fosse má organização das minhas ideias – ou seja, faltando partes – sem me darem os créditos. Eu não sei se deveria ficar feliz por não levar os créditos ou com nojo. Eu senti ambos. Eles são provavelmente o pior grupo político hoje, pois eles podem causar o maior dano ao capitalismo, destruindo a sua reputação. Eu vou deixar Jane Fonda acima deles [anteriormente durante a rodada de perguntas e respostas, Ayn Rand foi questionada sobre Jane Fonda. Para a pergunta e sua resposta, veja em p. 80.] [OC 80]

P

Por que você não aprova os libertários, centenas deles são leitores leais das suas obras?

AR

Porque libertários são monstruosos, um grupo de pessoas repugnantes: eles plagiam minhas ideias quando elas se encaixam no seu propósito e me denunciam da maneira mais cruel do que qualquer publicação comunista, quando se encaixa nos propósitos deles. Eles são mais baixos do que qualquer pragmático e o que eles têm contra o objetivismo é a moralidade. Eles querem um programa político amoral. [FHF 81]

P

Libertários fornecem passos intermediários para atingir seus objetivos. Por que você não os apoia?

AR

Por favor, não me fale que eles estão seguindo meus objetivos. Eu não pedi, não aceito a ajuda de intelectuais diferentes. Eu quero pessoas educadas filosoficamente: aqueles que entendem ideias, se preocupam com ideias e espalham as ideias certas. É assim que a minha filosofia vai se espalhar, assim como a filosofia fez ao longo da história: por meio de pessoas que entendem ideias e ensinam aos outros. Além disso, deve ficar claro que eu rejeito o péssimo slogan: “O fim justifica os meios”, que foi originado pelos Jesuítas e aceito com entusiasmo pelos comunistas e nazistas. Os fins não justificam os meios; você não pode alcançar nada bom por meios malignos. Finalmente, os libertários não são dignos de serem os meios para qualquer fim, muito menos o fim de propagar o objetivismo. [FHF 81]

Robert Nozick, professor de filosofia na Universidade de Harvard, era um libertário muito conhecido.

P

Você poderia comentar sobre Anarquia, Estado e Utopia do Robert Nozick?

AR

Eu não gosto de ler esse autor, pois eu não gosto de maus ecléticos – não na arquitetura e certamente não na política e filosofia – particularmente quando eu sou uma das partes destruídas. [FHF 77]

P

Qual a sua visão sobre a ideia de governos concorrentes?

AR

Isso é um absurdo irresponsável. Essa é a única resposta que a pergunta merece. [FHF 70]

P

Por que a falta de governo no vale Galt (no A Revolta de Atlas) é diferente de anarquia, a qual você se opõe?

AR

O vale Galt não é uma sociedade; é um estado privado. Foi feito por um homem que cuidadosamente selecionou as pessoas admitidas. Mesmo assim, eles tinham um juiz como árbitro, para se surgisse algum conflito; só não surgiu conflito entre eles pelo motivo de seguirem a mesma filosofia. Mas se você tivesse uma sociedade na qual todos compartilham da mesma filosofia, mas sem governo, isso seria terrível. O vale Galt provavelmente consistia em, otimistamente, mil pessoas que representavam os maiores gênios do mundo. Eles concordaram com os fundamentos, mas eles nunca estariam em total acordo. Eles não precisavam de um governo porque se tivessem desentendimentos, eles poderiam resolver de forma racional.

Mas projete uma sociedade de milhões, na qual existe todo tipo de ponto de vista, todo tipo de mente, todo tipo de moral – e sem governo. Sua sociedade sem governo é a idade média. O homem foi deixado à mercê de bandidos, porque sem governo cada indivíduo inclinado à criminalidade recorre à força e cada indivíduo inclinado à moralidade se torna impotente.

O governo é uma necessidade absoluta se os direitos individuais devem ser protegidos, porque você não deve depender do capricho arbitrário de outros indivíduos. O anarcocapitalismo é puro capricho, pois o que eles se recusam a reconhecer é a necessidade de objetividade entre os homens – particularmente homens de pontos de vista diferentes. E é bom que as pessoas dentro de uma nação possam ter diferentes visões, desde que respeitem os direitos uns dos outros.

Ninguém pode garantir direitos, exceto um governo com leis objetivas. E se Mcgovern tivesse sua gangue de policiais e Nixon tivesse a sua e em vez de campanhas eles brigassem nas ruas? Isso aconteceu ao longo da história. Homens racionais não têm medo do governo. Em uma sociedade adequada, um homem racional não precisa saber que o governo existe, pois, as leis são claras e ele nunca as quebra. [FHF 72]

Artigo Original

Tradução de Bruno Cavalcante

Revisão por Daniel Chaves Claudino e Mariana Reis

Ayn Rand

Ayn Rand foi uma escritora, dramaturga, roteirista e filósofa norte-americana de origem judaico-russa, mais conhecida por desenvolver um sistema filosófico chamado de Objetivismo, e por seus romances.

2 Comments

  1. Sorte nossa a política dispensar a infalibilidade papal. Ayn nasceu quando judeus estavam sendo assassinados na Rússia e fugindo para os EUA. Sentiu e viu a chegada dos comunistas e fugiu em 1926 para os EUA com 21 anos. Em 1947, com nacionalsocalistas sendo enforcados, lavrou a proposta da não-agressão que 24 anos depois é assinado por todo libertário. Outro erro dela foi de citar do programa de Hitler e dizeres do JFK para “provar” que este era nazista. Os republicanos escolheram Goldwater (judeu e liberal) para perder, e ela não entendeu isso. Mas enfim, todo mundo erra.

  2. O livro é tão bom que dispensa a autora que obviamente como muitos intelectuais padece de ego enorme e subestima ou simplesmente odeia o ser humano real.

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