A palavra Filantropia deriva do grego ‘philanthropia’ e significa ‘amor ao homem’, mas também pode ser entendida como ‘amor à humanidade’. É por meio da filantropia que membros da nossa sociedade podem se dedicar à caridade, doando desde seu tempo e atenção até seu dinheiro. Pode-se dizer que é pela caridade que se manifesta o amor mais sincero pelo próximo, pois é por ela que grandes feitos são alcançados. Exemplo disso é a história da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo ou Santa Casa de São Paulo, como é conhecida. 

Fundada há mais de 400 anos, a Santa Casa de São Paulo tem papéis importantes em vários setores da história da medicina no Brasil. Foi graças ao filantropo Roberto Simonsen que, sensibilizado pela doença do seu filho, Fernandinho Simonsen, contribuiu financeiramente para a iniciativa da Santa Casa de criar o primeiro hospital de atendimento exclusivamente ortopédico do Brasil, o que, mais tarde, se tornaria o berço da Ortopedia no país. Lá foi criado o Pavilhão Fernandinho Simonsen, que se estabeleceu como a melhor instalação médica da época e também como o primeiro hospital dedicado exclusivamente às afecções ortopédicas na América Latina. Ali se instalaram importantes instituições como a Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia – SBOT, a Cadeira de Ortopedia da Faculdade de Medicina da USP, a Cadeira de Ortopedia da Escola Paulista de Medicina, e, atualmente, a Cadeira de Ortopedia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.

Precisa ficar claro que sem as Santas Casas seria impossível o governo prover atendimento para a população, pois os municípios e estados não possuem dinheiro suficiente para construir hospitais desse porte. Seriam necessários investimentos vultosos da ordem de milhões de Reais, não apenas para as edificações em si, como também para adquirir e manter equipamentos, insumos e mão de obra de médicos, enfermeiros, recepcionistas, auxiliares, copeiros, faxineiros e zeladores que seriam necessários para manter o bom funcionamento da instituição, sem mencionar os terceirizados. Apenas o setor privado tem aporte financeiro para este tipo de projeto e é aí que entram os filantropos.

Segundo dados do Ministério da Saúde, as Santas Casas correspondem a um pouco mais de 51% de todos os atendimentos a usuários do SUS, o que, por si só, já demonstra a importância da filantropia para a sustentação do que é o SUS. Apesar de haver mais de 2 mil instituições similares à Santa Casa de São Paulo, muitas, mesmo com a ação da filantropia, estão definhando. A prova disso são os fechamentos constantes dessas instituições que foram completamente vilipendiadas pela incompetência estatal de administrar recursos. 

Graças às sucessivas interferências do estado na administração das Santas Casas, a caridade já não é mais suficiente para suprir a demanda do SUS. Mas como é possível que as Santas Casas, ainda assim, atendam mais de 51% dos casos do SUS “de graça”? Em primeiro lugar, a tabela de valores do SUS está incrivelmente defasada, sendo assim, o repasse pelos atendimentos mal cobre os gastos com os pacientes. Prova disso é que a Santa Casa de São Paulo criou o Hospital Santa Isabel com o intuito de utilizar o dinheiro dos atendimentos a pacientes por convênio e particulares para cobrir parte das suas dívidas. Em segundo lugar, existe um problema que acomete todas as instituições que o estado se mete a administrar, interferir e regulamentar, chamado corrupção. 

O desvio de verbas dentro desse sistema é monstruoso, o governo federal alega que não pode fiscalizar as Santas Casas, pois este seria um trabalho dos estados e municípios. Quando fazemos um breve levantamento das dívidas das Santas Casas podemos facilmente verificar que o dinheiro escoa por licitações e superfaturamentos. Em muitos casos, a intervenção do estado e da prefeitura acontece em momentos delicados para essas instituições, sempre sob a alegação de que a Associação Beneficente da instituição não faz um bom trabalho administrando os próprios recursos. Não para a nossa surpresa, o problema das dívidas se agrava após as intervenções, muitas vezes, sendo a dívida multiplicada por dez, vinte vezes o seu valor. 

Em 2014, a Santa Casa de São Paulo chegou a interromper os atendimentos de emergência por falta de dinheiro. Em uma cidade com aproximadamente 20 milhões de habitantes, contando com a região metropolitana, essa carência por serviços de saúde tem um impacto muito grande na sociedade. Além disso, quem circula pelas imediações da Santa Casa pode ver ambulâncias de Santas Casas de outros estados, o que significa que a instituição não atende apenas as pessoas da cidade, mas também presta atendimento aos estados vizinhos. Isto é, com recursos da filantropia, a Santa Casa também presta atendimento às pessoas de outros estados porque, muito provavelmente, a Santa Casa daquele lugar, se já não fechou, está falida e com suas contas no vermelho há muitos anos. O que sobra é recorrer à caridade do vizinho que, na maioria dos casos, faz o que pode.

O SUS não foi a primeira empreitada fracassada do Brasil na área da saúde. Já existiram o INPS (Instituto Nacional da Previdência Social) e o INAMPS (Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social) e que depois se transformou em INSS (instituto Nacional da Seguridade Social). O Brasil tem muita vocação para criar nomes diferentes para os mesmos fracassos, muda o nome e mantém a estrutura coletivista, com cara de caridade e com alma de golpe digno das maiores pirâmides financeiras. Pelo menos na época do INAMPS a estrutura era modesta e o estado não escondia a sua incapacidade de produzir algo de valor, pois apesar de possuir estabelecimentos próprios, os procedimentos eram realizados pela iniciativa privada. Então, em 1988, nasceu essa aberração que é o SUS: um sistema com uma propaganda regada com o infinito dinheiro do trabalhador que paga a “contribuição” mesmo já pagando planos de saúde caros que, pasmem, são de péssima qualidade porque são regulamentados pela mesma entidade que está matando as Santas Casas: o estado. Logo, como o SUS poderia dar certo se várias tentativas menos ambiciosas já tinham dado errado no passado?

Apenas recapitulando, há quase quinhentos anos, em 1543, surgia a Santa Casa de Santos, e, logo em seguida, em 1562, surge o primeiro registro da existência da Confraria de Misericórdia da Vila de São Paulo, que viria a se tornar a Santa Casa de São Paulo. Então, como instituições com mais de 400 anos de caridade e inúmeros projetos bem sucedidos podem entrar em processo de falência e acumular dívidas com valores estratosféricos com apenas 33 anos de existência do SUS? O que foi que deu errado nesses 33 anos em que o estado se meteu a fazer a caridade que já vinha sendo feita com tanta maestria pelo setor privado? Será que o estado viu no dinheiro da filantropia uma forma de enriquecimento fácil? Cria-se uma estrutura monstruosa e incapaz de se autogerir, com falhas enormes por onde escoa o dinheiro limpo da filantropia sem que a população se dê conta, pois, afinal, as Santas Casas continuam dando um jeito de atender os enfermos e necessitados que procuram por tratamento. Por que não fazemos, de uma vez por todas, o exercício de obrigar que o SUS retire seus tentáculos putrefatos da filantropia antes que esta morra por falta de atendimento? 

Imagine ser um filantropo no Brasil. Agora, imagine ter dinheiro para investir em hospitais que podem prestar atendimento para mais da metade da demanda do sistema público de saúde e ser constantemente repelido pela ideia de corrupção que assola a filantropia por meio do SUS. No final das contas, o benefício das isenções fiscais não parecem tão atraentes para um filantropo, e inclusive pode ser cada vez mais difícil encorajar que outros filantropos participem ativamente, como na época em que Roberto Simonsen apoiou o projeto da Santa Casa de São Paulo. Não é possível tratar-se apenas de coincidência, pois as Santas Casas atravessaram mais de quatro séculos com saúde financeira e, nos 45 minutos do segundo tempo, quando o estado resolve entrar no jogo, sob o argumento de ajudar a levar saúde de forma universal para todos os brasileiros, começa uma quebradeira desenfreada envolvendo o projeto mais belo, que retrata a bondade, a dedicação, a necessidade de ajudar o próximo por meio da filantropia.

A caridade, que não enxerga muros, barreiras e proibições, que cruza oceanos e que enfrenta pragas e todo tipo de intempérie para levar aos necessitados uma amostra de bondade, que leva esperança para as pessoas mais frágeis e muitas vezes as mais negligenciadas da nossa sociedade. A caridade, aquela que viveu muito bem por quase 500 anos e que começou a sucumbir por uma morte lenta e dolorosa quando o estado se apossou das suas virtudes. O estado, essa entidade espúria, composta por burocratas demagogos, decrépitos e corruptos, que, por meio do SUS, sentenciou a filantropia do Brasil à morte lenta.

Revisado por Bruno Cavalcante e Daniel Claudino

Luciana Toledo

Uma das fundadoras do Bunker Libertário, autodidata, anarcocapitalista e presidente do Movimento República de São Paulo.