Reflexões sobre um relato de preferência temporal à médica

[Esse Relato de caso é baseado em uma história real em que o paciente infelizmente já faleceu]

Paciente, 58 anos, tumor metastático de fígado. Etilista – i.e. usuário de álcool –  há 37 anos, parou há 7 meses. Tabagista há 20 anos, também parou há 7 meses. Numa bela tarde de sábado, o encontro dormindo em seu leito. Há vários dias o encontro assim: prostrado. O estado geral há muito está ruim, com prognóstico terminal. O acordo para fazer a evolução de sempre “Como foi o dia? Sentiu dor? Náusea? Teve febre?” Todas aquelas infinitas perguntas pareceram inúteis ao olhar aqueles olhos amarelados. A pupila já havia perdido seu brilho. O tempo estava finito para aquele paciente. Eu não sabia quantos dias seriam. Mas nós dois sabíamos que não duraria muito o seu tempo aqui na Terra.

Enquanto eu o examinava, carinhosamente para não fazer aquele estado ficar ainda pior, seu sorriso sonolento de boa tarde desaparecia. Enquanto o vestia novamente, sorri e lhe disse “pode voltar a sonhar, seu Fulano”. Esta inocente frase rompeu o coração dele. “Não estou sonhando, Doutora” e continuou:

“Eu nunca o fiz. Nunca pensei no futuro. Na verdade, agora eu estava dormindo e relembrando exatamente isso. Como eu pensava que a vida seria somente aquilo. Somente a bebida. Somente o cigarro. Somente todas aquelas mulheres. Somente aquela mulher. Eu queria tudo aquilo naquela hora. O tempo todo. Eu nunca sonhei. Nunca pensei que um dia eu poderia estar aqui. Nunca pensei que eu poderia não querer estar aqui. Nunca fiz nada para evitar essa cama de hospital. Eu só pensava no que eu queria aquela hora.”

Eu que não era o melhor exemplo de baixa preferência temporal, nem tampouco o pior, me vi também nele. Não havia justificação moral que suportasse aquele momento. Eu não conseguia sentir que a justiça moral havia sido feita. Aquele paciente, que era também eu, estava em um sofrimento profundo devido a uma altíssima preferência temporal ao longo da vida (além dele possuir valores que não são condizentes com os meus atualmente – mas isso é um outro papo). Não havia nada que eu poderia fazer para dar esse tempo a ele, não havia como fazê-lo pensar num longo prazo ali naquele leito. Naquele momento, a única coisa que ele queria era não sentir dor. A única coisa que eu poderia fazer era confortá-lo. Por mais que meus pensamentos racionais considerassem que houve colheita daquilo que ele plantou, meu emocional não conseguia senão compartilhar daquela dor. Até quando eu consegui racionalizar positivamente aquele momento. E pensar no “longo prazo” curto que aquele paciente tinha. E lhe dei a mão.

O que eu consegui dizer para ele era que nunca era tarde para fazer diferente. Nunca é tarde. Se você, leitor, nota alguma degeneração, alguma compulsão, algum vício… Alguma coisa que o atrapalha de fazer as coisas corretas. Nunca é tarde. Cada instante da sua vida deve ser pensado no longo prazo. O que não te disseram é que para atingir o longo prazo, você precisa agir no agora. Sair da matrix. Sair do ciclo infinito de compulsão-culpa. Nunca é tarde para construir uma vida digna. Este é o maior valor moral que o libertarianismo pode lhe dar.

Se você não está satisfeito: Mude. Pense no longo prazo. Construa o longo prazo. Crie uma vida financeira estável. Lembrando que isso não sugere uma vida repleta de parasitismo. Requer planejamento financeiro. Requer planejamento. Requer baixa preferência temporal. E isso é treino. É pensar racionalmente no dia-a-dia. É parar de procrastinar as coisas. É embasamento ético. É treinamento moral. Tratar cada momento como ponto chave para o seu futuro. Cada detalhe. É se cuidar porque você é aquele que governa a sua vida. É cuidar dos seus laços próximos porque são esses que estarão com você no longo prazo.

É estudar, se dedicar. Preencher seu cérebro com todas as informações possíveis. Construir seu raciocínio. Sem depender de ídolos. Sem depender de líderes. É ouvir os bons conselhos e pensar se aquilo é condizente com o futuro que você quer. É pensar o que você quer. É visualizar isso e se possível colocar ele num quadro em sua frente para que você mantenha esta meta todos os dias. Ter uma baixa preferência temporal não é apenas não ser removido fisicamente de sociedades. Ter uma baixa preferência temporal é ser um ser humano completo em todo o seu funcionamento. Físico, mental, psíquico, financeiro. E isso é saúde.

Escrito por Larissa Guimarães

Revisão por Daniel Chaves Claudino

 

Larissa Guimarães

Uma dos fundadores do Bunker Libertário. Autora, tradutora e revisora em outras mídias anteriormente.
Apesar de pertencer à academia de Medicina, é radical defensora do Homeschoolling e suas vertentes, sendo uma crítica ferrenha ao ensino atual. Se dedica de maneira autodidata ao estudo de filosofia e economia, com foco principalmente à ética libertária e à economia austríaca.

3 Comments

  1. Gabriel A. Dutra

    Agosto 12, 2017 at 3:55 pm

    Achei muito interessante a sua colocação. Às vezes estamos imperceptivelmente a uma mentalidade hedoniilista. Cremos que o Estado pode e deve custear todos os nossos erros, todos os anos que gastamos vivenciando nossos vícios consumindo nossos corpos e nossas almas, tudo porque nos recusamos a amadurecer.

    Existem coisas que deveriam serem percebidas logicamente por todo individuo adulto. Infelizmente, existem direitos demais para que alguém pense em ser adulto: está enraizada na mentalidade contemporânea que o Estado tem de ser o provedor de nosso futuro. Muitas vezes a dor é um processo necessário para o amadurecimento. Hoje há um excessivo curto-prazismo graças ao “Estado de bem-estar social” (ou estatismo infantilizador social, para os mais íntimos).

    Artigo agradabilíssimo, parabéns!

    • Larissa

      Agosto 12, 2017 at 4:00 pm

      Exatamente. Atualmente há um culto ao “curtissimo prazo”. Fico feliz que tenha gostado! Grata!

  2. excelente texto, me tocou!

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