A definição

Para os entusiastas do estado não há a menor sombra de dúvida: a democracia é o ápice da civilização. Ela é um sistema perfeito em sua concepção. Apenas requer as instituições condizentes com sua natureza, ou seja, instituições perfeitas. E uma das razões de tal necessidade é uma ameaça, sempre iminente, prestes a atacar e colocar em risco a obra-prima da vida em sociedade: A corrupção.

Mas, afinal de contas, o que é a corrupção? O dicionário Michaelis define corrupção como: 

“sf

1 Ato ou resultado de corromper; corrompimento, corruptela.

2 Decomposição de matéria orgânica, geralmente causada por microrganismos; putrefação.

3 Alteração das características de algo; adulteração.

4 Degradação de valores morais ou dos costumes; devassidão, depravação.

5 Ato ou efeito de subornar alguém para vantagens pessoais ou de terceiros.

6 Uso de meios ilícitos, por parte de pessoas do serviço público, para obtenção de informações sigilosas, a fim de conseguir benefícios para si ou para terceiros.” [1]

Com exceção do item 2, que não tem relação literal com o assunto tratado aqui, todos os outros possíveis significados estão, de certa forma, relacionados com o assunto em questão. Levando em conta o significado dado pelos itens 1,3 e 4, corrupção, no sentidde corromper, pode ser entendido como o processo ou o resultado de algo deixar de ser ou de fazer aquilo que é, de acordo com a sua natureza, esperado que seja ou que faça. Logo, somos levados a seguinte pergunta: qual a natureza do estado e o que ele é, por sua natureza, impelido a ser e a fazer?

Da natureza do estado

Em seu emblemático ensaio A anatomia do estado, Murray Rothbard explica de forma sucinta o que é o estado em sua essência:

“Estamos agora em uma posição que nos permite responder mais satisfatoriamente à questão: o que é o estado? O estado, nas palavras de Oppenheimer, é “a organização dos meios políticos”; é a sistematização do processo predatório sobre um determinado território. Pois o crime é, no máximo, esporádico e incerto; já o parasitismo é efêmero e a coerciva ligação parasítica pode ser cortada a qualquer momento por meio da resistência das vítimas. O estado, no entanto, providencia um meio legal, ordeiro e sistemático para a depredação da propriedade privada; ele torna certa, segura e relativamente “pacífica” a vida da casta parasita na sociedade.” [2]

 

Em outras palavras, a natureza do estado é o roubo sistemático e institucionalizado. Disso segue-se que a corrupção – em seu sentido mais estrito e literal – deve ser encarada como um desvio dessa natureza, logo, a corrupção do estado – em sua essência – ocorre quando esse se encontra numa condição na qual é impedido de cumprir o roubo, ou – nas palavras de Bastiat [3] – a espoliação legal, que é a sua função mais básica e vital.

Além disso, dado que por sua própria natureza o estado não pode agir como protetor da propriedade privada, o que seria uma contradição, somos levados à seguinte definição de corrupção no presente contexto: Corrupção se configura na condição em que o estado se encontra tão disfuncional que se vê forçado a contrariar sua infinita tendência ao roubo, uma vez que carece dos meios, materiais e/ou propagandísticos, para se engajar nas atividades criminosas condizentes com a sua natureza.

O funcionamento do estado e a distorção do que é Corrupção

Os dois últimos itens da definição fornecida pelo dicionário referem-se menos à natureza do estado, tendo como sentido mais a ver com o seu funcionamento. Dessa forma, seria instrutivo começar por descobrir o porquê de haver a corrupção no sentido costumeiramente empregado que é em forma de suborno à oficiais do governo.

Em termos gerais, se o custo de se executar uma ação é visto como maior do que o potencial lucro advindo de sua realização, a ação simplesmente não é executada. Além disso, de todas as possíveis formas de executá-la, o indivíduo irá optar por aquela que ele julga menos custosa. Em termos praxeológicos, se o indivíduo avalia que os meios empregados demandam recursos com um maior valor do que o valor proporcionado pelo fim obtido ao se cumprir a ação, ele não age a fim de cumprir tal objetivo. E se o fim pode ser alcançado pelo uso de diferentes meios, ele vai optar por aqueles que ele avalia levar a uma maior diminuição no seu desconforto. O importante aqui é entender que esse processo é totalmente subjetivo e depende da forma como o indivíduo percebe e avalia a realidade e os meios disponíveis. [4]

Levando em conta esse processo subjetivo, o suborno existe simplesmente porque o indivíduo julga que essa alternativa é menos custosa do que agir de acordo com o código imposto pelo estado. Sempre existe a possibilidade de que a pessoa a ser subornada recuse e isso se configuraria em uma outra violação dentro da legislação estatal, mas o indivíduo, em alguns casos, julga que o risco que ele corre é compensado pelo potencial lucro ou simplesmente pela diminuição das perdas em se cumprir com as leis impostas pelo estado. O que de fato acontece é que o estado faz do suborno um “mal” endêmico. Ele eleva os custos relacionados a diversos serviços e produtos muito além do que o mercado naturalmente estipularia ou, ainda, impõe custos que sequer existiriam em sua ausência. Isso não ocorre por acidente. Não é uma espécie de efeito colateral. Isso segue diretamente da discussão acima sobre a natureza do estado e sua relação com a corrupção.

O estado distorce o mercado por meio de um sem número de empecilhos: licenças, alvarás, permissões, impostos, regulações, etc. Como qualquer interação voluntária entre indivíduos tem respaldo ético, o que o estado de fato faz quando incorre a esses atos criminosos é literalmente a exigência do pagamento de propina para que as pessoas possam interagir de forma mutuamente benéfica e consensual. Em vista das considerações subjetivas do custo, o estado de forma intencional torna tais “obrigações” custosas ao ponto que o lucro advindo da extorsão daqueles as cumprem é enorme, assim como o custo de tentar subornar um agente estatal fica cada vez menor, em termos relativos, sendo que esta última opção é o real objetivo por trás de tais ações do estado.

Entretanto, a maioria das pessoas quando legitimam o sistema e os atuais políticos por meio da democracia, não percebem essas asserções como corrupção. Corrupção, de acordo com a percepção daqueles que endorsam a democracia, seria a tentativa intencional de não cumprir com o que é “legitimado pela democracia”. Uma vez despido de todo o jargão que imbui a democracia de uma falsa legitimidade, o conceito de corrupção dos partidários (aka. submissos) do sistema pode ser exposta como se segue:

“Políticos podem determinar impostos e leis de forma arbitrária desde que sejam democraticamente eleitos e que haja um consenso entre eles de acordo com regras que eles mesmos estipularam e escreveram num pedaço de papel que passa a ser lei por meio de uma espécie de autoridade sobrenatural conferida a eles por eles mesmos. Políticos corruptos, desta forma, são aqueles que obtêm benefícios por meios que diferem desse processo.”

Vale ressaltar que o próprio fato de alguém ser político já o coloca numa posição de criminoso, independente de ter praticado esse tipo de “corrupção” acima, pois mesmo que cumpra todos os requisitos impostos pela legislação vigente, esta é carente de qualquer legitimidade. Ou seja, esse conceito de corrupção utilizados pelos estatistas é completamente incoerente, pois o político é ladrão por sua própria definição. Ser considerado um ladrão pelos parâmetros do mesmo estado que o permite viver de forma parasitária às custas da população não nos diz nada sobre um possível desvio de sua real natureza.

Em resumo, o verdadeiro significado de corrupção se aplica ao estado apenas naqueles casos onde esse opera em tamanha ineficiência que não consegue cumprir aquilo que define a sua essência, a saber, o saque institucionalizado – aka. imposto – e a escravidão em larga escala. Por outro lado, o que a maioria dos subjugados pelo estado entende por corrupção, na verdade, não passa da exteriorização de sua frustração em relação a um objetivo totalmente irrealizável que, uma vez realmente entendido, tem um significado patético que não é em nada condizente com a realidade estatal.

 

Por Daniel Chaves Claudino

Revisão por Larissa Guimarães

 

Notas:

[1] Definição de Corrupção pelo Dicionário Michelis.

[2]Entenda melhor sobre a natureza intrínseca do estado em “A anatomia do estado” de Murray Rothbard.

[3] Veja mais sobre a espoliação estatal em “A Lei” de Frédéric Bastiat.

[4] Entenda o Valor Subjetivo no Capítulo 4 do livro “Ação Humana” de Ludwig von Mises.

Daniel Chaves Claudino

Peaceful parent, homeschooler, rothbardiano/hoppeano e doutor em química quântica.