Um ponto marcante do livro Economia Básica de Thomas Sowell é a ênfase que ele sempre dá ao tratar dos diversos tipos de sistemas econômicos. O ponto inicial ao analisar qualquer sistema é saber que a escassez estará presente em todos eles, a diferença é justamente como cada um lida com a escassez.
O sistema de mercado aloca recursos de forma bottom-up e cria incentivos para que o planejamento descentralizado evite flutuações generalizadas. Sistemas estatistas fazem alocações top-down, através de mandatos coercitivos. Independente de como se aloque 10 maçãs para 11 pessoas, alguém sempre ficará sem. Como as decisões são centralizadas, as flutuações generalizadas são uma consequência.
A diferença essencial entre distribuição de bens de consumo e bens de capital se dá pela função de cada um desses recursos no sistema produtivo: bens de consumo estão no fim da sua cadeia produtiva, o impacto de uma má alocação é ruim mas a recuperação pode ser rápida se os preços flutuarem livremente; bens de capital estão no início – caso haja uma boa alocação do bem de capital, seus frutos serão os maiores possíveis, caso não haja, haverá uma riqueza inferior em relação àquela que poderia ser realizada – o impacto dessa má alocação é o aumento da pobreza e até a morte de inocentes. Desta forma, o modo no qual os recursos são alocados está diretamente ligado com a sobrevivência da nossa espécie e a qualidade de vida que deixaremos aos nossos filhos e amigos.
Não é novidade que o estado de bem estar social tenta ignorar a escassez. Quando bancos imprimem dinheiro a torto e a direito, eles nos mostram a seguinte mensagem “Escassez não existe se eu posso ‘criar’ recursos”. Mas existe uma mensagem que só uma situação de crise como esta que está acontecendo pode demonstrar: O estado de bem estar social criou a ilusão de que somos alheios à lei natural.
Gustave Le Bon, em “La psychologie des foules”, afirma que ‘nós temos a falsa sensação de sermos mais evoluídos do que realmente somos’ e refere a nós como o ser primitivo que ainda somos. Como todo determinista, ele pega a essência animal do homem e a expõe de maneira chagásica, rompante. Apesar de nossas discordâncias teóricas escancaradas, eu o quis citar para embasar a noção que hoje pude perceber de maneira mais profunda que nós humanos tentamos ignorar nosso instinto animal. E, eu vejo na gênese do estado a grande gênese dessa abstração de nossa própria natureza. Não somos apenas animais como Le Bom acredita, mas estamos submetidos às leis naturais.
A Cataláxia Austríaca é uma realidade. O estado de bem estar social uma utopia.
Muitos dos críticos da escola austríaca referem a cataláxia austríaca e a ética libertária como se defendêssemos utopias. Mas a realidade demonstra algo muito maior: O estado de bem estar social ignora a realidade como ela é e nos faz acreditar que também não estamos sujeitos à realidade.
O estado desde sua gênese nos faz acreditar que precisamos estar sujeito a ele para ter controle do mundo, de nossa natureza caótica. Mas este controle que vem de cima é uma ilusão. Só se entende o caos quando o estudamos em sua base realista. E não quando o ignoramos. Quando Hobbes justifica o controle de coletivos humanos porque o “Homem é o Lobo do Homem”, ele se esquece de que este controle seria feito por seres humanos tão lobos quanto os próprios controlados. Ele ignora a real natureza humana. Mesmo que tenha dissertado a respeito dela.
O homem é feito de instinto, vontade e razão. Ignorar qualquer uma dessas bases é dar um tiro no pé. E o estado de bem estar social ignora todos estes. Porque tudo fica sujeito ao controle externo. E isso é uma ilusão. Quando um estado de bem estar social se propõe a cuidar da pobreza, ele ignora o finito recurso. A pobreza não existe porque o estado passa a ser responsável por cuidar dela. Quando um estado de bem estar social se propõe a cuidar da saúde, ele ignora a doença, ele pensa que pode controlar todas as doenças e prever todos os gastos possíveis para cuidar dos doentes. Até que surja uma síndrome de Russel Silver que leve a uma judicialização da saúde fazendo com que paguemos milhões pro sistema “público”. E então falta recursos para uma simples pneumonia. E ele vai precisar roubar mais dos outros. E assim vai. O estado de bem estar social pensa que pode controlar furacões, maremotos, o dia e a noite, o clima, a segurança, a educação, e assim por diante. Mas a natureza está sempre aí para nos lembrar de que por mais abstraídos que sejamos dela por nossa tecnologia, ainda estamos sujeitos às suas leis. O controle é mera ilusão e o estado mera utopia.
Sobre tempos sombrios e uma sociedade que teima em funcionar como se nada estivesse acontecendo
Com a crise de desabastecimento no Brasil, eu pude ver empiricamente como nossa sociedade só pensa no agora. Foda-se o longo prazo. Tempos como estes de recessão devem ser tempos de poupança. Atividades irrelevantes deveriam estar suspensas. Hoje, mais do que nunca, a poupança deveria ser assunto. Por quê? Porque simplesmente não sabemos como será o amanhã. Não temos previsão alguma. Tempos de crise escancaram que não temos domínio da atividade econômica e da ação humana. Vivemos sob a ilusão de que podemos controlar o ser humano e suas vontades, mas isto é falho. Agora é final de semana, semana que vem tem feriado. Mesmo que o Temer retire os caminhoneiros das ruas eles não vão conseguir abastecer novamente de prontidão. Ainda mais lugares mais distantes.
Todavia, a ilusão de um controle econômico – fruto do estado de bem estar social – fez com que acreditamos que há um controle da crise. Quando quiser o Temer para isso, ele só não o faz porque é um vampiro. Mesmo com a realidade da escassez escancarada na nossa frente, atividades irrelevantes pro mercado estão funcionando a todo vapor. Porque simplesmente as pessoas têm que fingir que nada está acontecendo ao invés de serem racionais. Então, gastam dinheiro e gasolina de seus funcionários pra atividades estúpidas. Porque “The show must Go On”. As pessoas se estressam, pegam trânsito infernal, pagam horrores na gasolina, pagam horrores em Uber e similares. Até não ter mais nem dinheiro nem gasolina. Porque são recursos escassos. E cada vez mais sujeitos a escassez. Minha festa tem que continuar. Vou contratar isso e aquilo, pessoal me passa contato disso? Porque não adiar? Porque não priorizar o que é de valor? Porque ter aula de filosofia da linguagem 3 agora neste momento? Suspender essa atividade por um dia REALMENTE vai fazer tanta diferença na vida dos estudantes de filosofia? Agora imagine o tanto de gasolina e recurso que se gastou com atividades ridículas hoje por causa disso. Por atividades que podem ser procrastinadas facilmente sem prejuízos. As pessoas querem fingir que não há nada de diferente na realidade. Passar maquiagem. Ao invés de ter prioridades. Prioridades pras atividades econômicas básicas. Parar de desperdiçar recursos com coisas idiotas em tempo de crise. É bem verdade que sim, o valor é subjetivo. Mas o estado cria a ilusão de valores desnecessários e supérfluos e uma preferência temporal altíssima. Sua festa ser adiada é mais importante do que você passar fome? Quais são de fato os seus valores, você ao menos sabe? O quanto de dinheiro você tem gasto de maneira inútil por considerar que há um controle nisso?
Os caminhoneiros que estão deixando a cerveja passar, mas não deixam os bens primários de mantimentos como frutas, cereais e animais, eles sabem quanto tempo que economicamente esses recursos demoram a retornar a um basal? Quanto tempo um boi que está morrendo no sol da rodovia 116 demorou pra ficar com a carne apetitosa? Em quanto tempo dá pra produzir o recurso que está sendo desperdiçado? O que isso afeta na economia? E o que afeta na economia sua faculdade fechar dois dias? As pessoas ainda estão pensando que é só “controlar o preço” do diesel e da gasolina e tudo volta ao normal como um passe de mágica no outro dia. Mas essa crise de desabastecimento é uma oportunidade para todos perceberem verdades econômicas que regem de maneira natural a nossa vida e que todos pensavam ser ilusão dos economistas austríacos. A escassez não pode ser ignorada, oferta e demanda está estampada na nossa cara. E tentar driblar isso só gera mais caos.
E a verdade é que o estado de bem estar social nos fez acreditar que não existe escassez e nos direcionou a valores supérfluos e uma altíssima preferência temporal do que valorizamos. Se fosse um apocalipse zumbi ninguém sobrevivia porque todo mundo ia para a aula fingir que estava tudo bem mesmo com os zumbis matando todo mundo. É mais importante ter um diploma do que sobreviver.
Escrito por Larissa Guimarães
Revisão por Bruno Cavalcante
Larissa Guimarães
Uma dos fundadores do Bunker Libertário. Autora, tradutora e revisora em outras mídias anteriormente.
Apesar de pertencer à academia de Medicina, é radical defensora do Homeschoolling e suas vertentes, sendo uma crítica ferrenha ao ensino atual. Se dedica de maneira autodidata ao estudo de filosofia e economia, com foco principalmente à ética libertária e à economia austríaca.
Maio 25, 2018 at 10:59 pm
Larissa. Esta crise é política. Estão novamente todos sendo usados como massa de manobra.
Novembro 17, 2018 at 3:57 pm
Sim, por todas as questões citadas.
Maio 26, 2018 at 11:28 am
Excelente artigo Larissa! Mesmo sendo um libertário, ás vezes caio na armadilha de achar que consumo gera investimento. Na verdade, essa sua frase é genial: “bens de capital estão no início”. Apenas a correta alocação de bens de bens de capital impede a pobreza generalizada, como você corretamente notou. Parabéns!
Setembro 21, 2018 at 10:02 pm
Obrigada!