Política fiscal: keynesianos versus austríacos

O seguinte artigo foi apresentado na 12ª conferência Gottfried von Haberler 2016, “Bancos Centrais, Política Fiscal e o Cidadão Traído”, em 20 de Maio, 2016, Vaduz, Liechtenstein.

“No entanto, a teoria da produção como um todo, que é o propósito do livro seguinte, é adaptada mais facilmente às condições de um estado totalitário do que a teoria da produção e distribuição em condições de livre concorrência e com uma grande medida de produção estilo laissez-faire.”

-John Maynard Keynes, Introdução à edição alemã de A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, 7 de setembro de 1936

“Para uma observação precipitada, o estado autoritário e a social democracia aparecem como opostos irreconciliáveis, entre os quais não existe intermediário.”

-Ludwig von Mises, Nação, Estado e Economia, 1919, p.143

Introdução

“Fear the Boom and Bust” é um video do YouTube de 2010, produzido por John Papola e Russ Roberts. A história gira em torno da polêmica entre a teoria de “Keynes contra Hayek” – artisticamente preparada como uma canção de rap/hip-hop.

Aqui eu gostaria de continuar com o meu discurso, não musicalmente, mas com conteúdo. Eu quero passar por um exame crítico das posições keynesianas centrais, predominantes na economia mainstream.

Mas isso não a partir dos ensinamentos de Friedrich August von Hayek (1899 – 1992), mas do ponto de vista das conclusões que Ludwig von Mises (1881 – 1973) nos apresenta.

Mises acredita que a economia deva ser compreendida consistentemente apenas como uma doutrina da ação humana – como uma ciência a priori da ação – que ele mesmo chamou Praxeologia. [1]

Hayek não segue Mises nesse ponto. Hans-Hermann Hoppe descreve o método científico de Hayek como ultra-subjetivismo – e como pode ser visto, Hayek anda lado a lado com o método científico que representa os economistas convencionais. [2]

Mas neste artigo eu não vou abordar mais a controvérsia sobre qual é o método científico correto na economia.

Basta salientar: As diferenças entre as posições teóricas que emergem atualmente entre os keynesianos (e ‘hayekianos’) e misesianos encontram seus fundamentos nos respectivos métodos científicos aplicados.

Premissas

Como, então, comparar as posições dos keynesianos e austríacos no que se refere à política fiscal? Sob a política fiscal devem ser compreendidas todas as ações do estado que afetam suas despesas e receitas.

Para os keynesianos, política fiscal é principalmente um instrumento econômico: Se a economia está paralisada, o estado deve aumentar seus gastos para estimular a demanda e, portanto, o crescimento e o emprego.

Na teoria keynesiana algumas suposições são feitas (mais ou menos implicitamente) como, principalmente, as quatro seguintes:

  1. A economia de livre-mercado é propensa a falhas. É trabalho do estado, por meio da política fiscal, suavizar o processo econômico – ou garantir o pleno emprego.
  2. O Estado é como um ditador benevolente. Ele é encarregado pelos eleitores a colocar em prática o que for desejado.
  3. O estado é todo-poderoso: Keynesianos acreditam que as metas que o estado deseja alcançar, ou as que finge querer alcançar, também podem ser alcançadas.
  4. A ação estatal provoca uma situação vantajosa para todos: Uma situação em que o bem comum (qualquer que seja) é melhorado (o que não significa que todos se beneficiarão e que ninguém sairá pior).

Esse ponto de vista dos keynesianos não é compartilhado pelos economistas da escola austríaca – ou usando a expressão liberal-libertária misesiana, “os austríacos” a rejeitam.

Para entendermos melhor a posição dos austríacos, seus argumentos serão considerados em mais detalhes abaixo. A premissa básica é a questão: Como o estado se financia?

Como o estado é financiado

O estado tem uma (e apenas uma) fonte de financiamento: Esta é os rendimentos dos seus cidadãos, a qual adquire pela taxação.

A tributação pode assumir várias formas: (1) A tributação aberta (na forma de impostos diretos e indiretos), (2) O recebimento de empréstimos (o que significa futura tributação), (3) Venda de ativos anteriormente nacionalizados (que é igual a uma dupla tributação) e (4) A inflação do dinheiro (esse é o tributo da inflação).

Suponhamos que o governo imponha um imposto sobre os lucros que o empresário obtém (ou, o que corresponde a praticamente a mesma coisa, ele tributa os rendimentos dos empregados).

Para o empresário, de agora em diante, é menos gratificante ser um empreendedor, ou seja, abster-se do consumo, para economizar e investir. [3] Dado que o produto marginal do seu trabalho está diminuindo e o produto marginal do não-trabalho (tempo livre) sobe.

O empresário agora vai consumir mais e poupar menos e investir menos. O bem-estar material da economia assim necessariamente cai (em comparação com uma situação em que o empresário não é tributado).

Esta é uma consequência sobre a qual é necessário pensarmos sobre. Daqui decorre a constatação de que o agente humano tem uma preferência temporal. A preferência temporal é uma parte indispensável da ação humana e ela afirma que (1) os bens presentes são mais valorizados do que os bens futuros e que (2) é preferível se ter mais de algo do que menos. [4]

Os impostos reduzem a renda dos contribuintes e isso necessariamente aumenta as suas preferências temporais. Para eles, a renda presente disponível é mais valiosa em comparação com a renda futura mais o lucro.

Mas não só isso. O contribuinte agora irá mais rapidamente adquirir os produtos desejados, mesmo que ele tenha de recorrer a maneiras de produção menos demoradas e, portanto, menos produtivas.

O volume de produção necessariamente diminui –  em comparação com uma situação em que ele não teria sido tributado e na qual ele teria escolhido maneiras mais eficientes de produção.

Agora pode-se argumentar: O desempenho da produção dos contribuintes pode realmente diminuir. Mas isso não poderia ser compensado pelos efeitos positivos resultantes do estímulo causado pelos recebedores de impostos também obterem dinheiro e gastá-lo?

Já foi argumentado que a tributação necessariamente reduz a capacidade de produção dos empresários (porque aumenta seus custos para economizar e investir e reduz o custo do consumo/lazer).

Para os não-produtores, os receptores líquidos de impostos, no entanto, é mais barato abrir mão de atividades produtivas. É mais barato para eles recorrer a atividades improdutivas a fim de aumentar sua renda.

Eles instruem o governo a lhes proporcionar uma renda que é subtraída de outros. Desta forma, eles podem alcançar uma renda sem a necessidade de criar e fornecer um serviço de mercado produtivo. [5]

Nestas circunstâncias, têm-se necessariamente um aumento na preferência temporal na economia como um todo. Produtores e não-produtores economizam e investem menos e consomem mais do que no caso de não-tributação. Os recursos materiais da economia serão menores do que seriam sem tributação e redistribuição.

Então, deve ter ficado claro que a tributação afeta negativamente a prosperidade e também que não pode haver um imposto neutro. Sempre um ganha em detrimento do outro.

O estado não pode trazer uma situação vantajosa para todos através da tributação. Talvez a situação se altere se levarmos em consideração a política econômica do governo (o outro lado da política fiscal)?

Estímulos do governo são aceitáveis em tempos de recessão-depressão?

Suponhamos que a economia está em recessão-depressão (subemprego). É útil que o estado intervenha com programas de despesas para incentivar a demanda agregada e levantar a economia?

Keynesianos iriam responder a esta pergunta com um sim. O motivo: Na sua visão, a livre economia de mercado é propensa a falhas e não possui o poder de se recuperar sozinha de uma crise com subemprego para um estado de pleno emprego.

No século XX, e também no XXI, têm ocorrido, incontestavelmente, “crises” grandes ou pequenas.  Pode-se citar, por exemplo, a “hiperinflação” alemã em 1923, a “Grande Depressão” de 1929-1933, a “Grande Inflação” dos anos 1970 e 1980 nos EUA e em outros lugares, a crise asiática e russa em 1997/1998, a ruptura dos “Novos Booms da Economia” de 2000/2001 e a crise financeira e econômica internacional de 2008/2009.

Mas essas referências são suficientes para se poder concluir uma instabilidade da economia de livre mercado?

Para responder a esta pergunta, deve-se perguntar: Quais foram as causas dessas crises? Agora, todas essas crises foram, de uma forma ou de outra, causadas por intervenção do governo no livre mercado. Elas de forma alguma testificam o fracasso da economia de livre mercado! A aparente instabilidade da economia de livre mercado é um mito muito querido pelos círculos anti-mercado.

Mas qualquer que seja a causa do subemprego em detalhe (se é um resultado de um desastre natural ou do estouro de um boom especulativo), para as nossas considerações, o importante é o seguinte:

O subemprego surge apenas quando os preços dos bens de consumo e/ou de produção oferecidos são muito altos e se os salários que são pagos para produzir os bens são demasiado elevados.

Os produtores não liberarão suas mercadorias, mas acumularão estoques, se eles não estiverem prontos para baixar o preço de venda o suficiente até que as mercadorias encontrem compradores.

Os trabalhadores devem estar dispostos a trabalhar por salários mais baixos, caso contrário, eles permanecem desempregados. [6]

Suponha que a economia está com um subaproveitamento. Para reavivar a economia, o governo aumentou a demanda no setor da construção (onde a situação é particularmente nebulosa).

A demanda adicional do estado impediu que os preços dos bens oferecidos pela indústria de construção retornem; os preços são mantidos em seu (aparentemente) excessivo nível ou talvez ainda mais impulsionados para cima.

A demanda do governo impede que as empresas se adaptem às condições de demanda alteradas; possivelmente, o setor da construção será ainda mais inchado.

Os recursos que a demanda estatal dirige na indústria da construção, escapa de outros setores. Por exemplo, diminui a produção e o emprego na indústria automobilística, porque eles devem pagar preços mais elevados agora por seus bens – em comparação com uma situação em que o estado não tivesse alargado a demanda por bens para o benefício da indústria da construção.

Nós reconhecemos: Se a política fiscal keynesiana tiver sucesso em preservar a situação da produção e do emprego antes da crise, isto só é possível se (via redistribuição) um se sair melhor às custas do outro.

O Caso do “Multiplicador”

Do ponto de vista keynesiano, todos os problemas de produção e de emprego são uma expressão do fato de que a demanda efetiva está muito baixa. A teoria keynesiana assume que tudo que está na demanda, também pode ser produzido. A escassez na construção da teoria keynesiana é, assim, superada – o problema da escassez é eliminado!

Se isso não foi suficiente para colocar a teoria keynesiana de lado, uma outra crítica pode ser levantada adiante e ela se dirige contra o chamado multiplicador. [7] Essa ideia queria dizer que uma despesa adicional do governo pode aumentar a demanda agregada por um múltiplo.

O multiplicador pode ser formalizado da seguinte forma:

\frac{dY}{dG}=\frac{1}{1-C}

O termo esquerdo da equação mostra o crescimento da renda (dY), como resultado de despesas adicionais do governo (dG). O lado direito mostra o multiplicador, onde C é a propensão marginal a consumir. Ela mostra que de uma renda adicional,  C% serão consumidos (Se C for 1, toda renda adicional será consumida, se C for 0, toda renda adicional será poupada).

Isso parece sedutor: O estado gasta 1 euro e a renda cresce milagrosamente no valor de 5 euros! O que é isso? O que é importante nesta abordagem é fazer a comparação correta.

Não é decisivo saber se gastos adicionais do governo provocam a multiplicação de renda. O que importa é a forma como estes gastos multiplicarão a renda em comparação com uma situação em que nenhuma dessas despesas tenham sido efetuadas.

Tal comparação leva a uma conclusão clara. Como já foi discutido, o estado deve, se ele quer gastar algo, tomar de alguém antes. Ele só pode tirar dos produtivos: os empresários ou funcionários.

Se taxam-se empresários ou trabalhadores, suas preferências temporais sobem. Eles poupam e investem menos e consomem mais e a produção de bens diminui (em comparação com a situação onde não estivessem tributados). E ao mesmo tempo, também se aumenta a preferência temporal do recebedor de impostos.

Percebe-se, portanto, que o “se governo gastar, aumentará a produção de bens por um efeito multiplicador” (em relação a uma situação em que o Estado deixa de gastar e as pessoas podem determinar o que fazer com suas rendas) é uma falácia teórica. [8]

Poupar é essencial

Outro elemento da doutrina keynesiana que deve ser submetido à crítica: o chamado problema de poupança.

Keynesianos dizem que quando se economiza, há a diminuição da demanda agregada e o enfraquecimento da produção econômica. As pessoas devem consumir especialmente num período de fraco crescimento econômico. O que devemos pensar disso?

Nas economias capitalistas modernas, uma certa quantidade de renda é poupada (não consumida) para ser investida (para ser dirigida a usos produtivos). Ao se investir, o estoque de capital cresce. Este, por sua vez, aumenta a produtividade e, consequentemente, aumenta os salários reais.

Se mais é poupado, não significa que a demanda cai, mas apenas que menos bens para consumo e mais bens para fins de investimento estão sendo demandados.

A poupança é a chave para o investimento. Este último aumenta a produtividade do trabalho. Somente através de poupança e investimento, e não através do consumo, que a prosperidade da economia pode aumentar.

Em períodos de recessão, existe agora principalmente a recomendação de política keynesiana de que o estado deve expandir a demanda de consumo ou também de investimentos. O que devemos pensar disso?

Se as máquinas ficam paradas, o desemprego prevalece e investimentos iniciados não serão concluídos, isso por causa de decisões erradas provenientes do passado.

Os preços dos bens de produção, que estavam desalinhados, têm de se adaptar às condições prevalecentes de demanda. O capital deve ser redirecionado ou reutilizado.

A reconstrução e re-formação de capital produtivo exige poupança: trabalho e bens intermediários devem ser utilizados para alcançar os resultados desejados. Reconhece-se: Em uma recessão, a economia sofre de uma falta de poupança, não de consumo!

Assim, enquanto os keynesianos são amplos defensores da política fiscal em uma recessão para guiar uma economia para fora do subemprego, austríacos rejeitam tal política como inapropriada [9] e contraproducente a partir de:

  1. Uma política de gastos do estado impede um ajuste necessário de produção e estrutura de emprego aos desejos dos reais consumidores; e
  2. Ela impede que se chegue à configuração de uma poupança necessária, sem a qual a economia não pode trabalhar seu caminho para fora do subemprego.

Os bens públicos justificam a política fiscal?

Agora, pode-se argumentar que o estado deva fornecer bens públicos. Se o conceito de “bens públicos” é trazido ao jogo, recomenda-se ter cautela. [10]

Primeiro, está longe de ser claro o que é um bem. Para alguns, por exemplo, um fogo de artifício é um bem, para outros é um mal. Os primeiros têm prazer com as cores brilhantes dos fogos de artifício, os outros sentem seu sono perturbado pelos altos estrondos. Alguns aplaudem o ensino obrigatório estatal (para eles é um bem), outros sofrem com isso (para eles é um mal).

Além disso, o caráter de uma mercadoria pode mudar ao longo do tempo: Para alguns, hoje um leitor de CD é um bem (que atende o desejo de ouvir música), em um ano ele não é mais um bem (porque a tecnologia CD é obsoleta).

O que é um bem e o que é um mal, consequentemente, só pode ser subjetivamente determinado e esta avaliação não é necessariamente invariante no tempo.

Não menos problemática é a definição do que são bens públicos. Na economia tradicional, eles são caracterizados por dois elementos: (1) não há rivalidade no consumo desses bens e (2) não se pode excluir terceiros do uso do bem. [11]

Os bens públicos, argumenta-se, não seriam fornecidos pelo livre mercado na quantidade e na qualidade desejada. Porque há pessoas que usam bens públicos, mas não querem pagar pelo seu uso. Estes são os aproveitadores.

Portanto conclui-se, que o estado tem de intervir e fornecer bens públicos. Mas isso é uma falácia lógica, um non sequitur. [12]

Só porque um bem é desejável, isso não significa que o estado deva ou devesse fornecê-lo. Pois a criação de bens públicos só pode ocorrer se outros bens privados não forem produzidos.

Obviamente, é por isso que as pessoas querem fazer outra coisa com o seu dinheiro que não seja gastá-lo com o bem público. Caso contrário eles iriam demandar o bem público com o seu dinheiro – e não seria necessário forçá-los a pagar através de impostos.

É exatamente essa percepção, certamente inegável, que obscurece a teoria dos bens públicos. Ela quer legitimar algo que não pode ser legítimo, quer fazer um Sim de um Não.

Isso não significa que sem a política fiscal (e sem o estado, que a executa) devemos assumir que os chamados “bens públicos”, que muitos querem apreciar e utilizar, devam ser abandonados.

Em vez disso, podemos deixar que serviços desde a justiça à segurança, estradas, educação, etc., sejam oferecidos de forma privada. E certamente mais baratos e melhores do que o estado os pode fazer. Essa percepção nos leva ao problema da burocracia.

Obstáculos Burocráticos

Mesmo que se negue o que temos dito e se diga que a política fiscal é essencial para o fornecimento de bens públicos, não se terá escolha a não ser lidar com os problemas de burocracia.

A burocracia pública não está sujeita à disciplina do mercado, os seus serviços não têm preço de mercado. Pensemos, por exemplo, na concessão de licenças de construção ou o uso da polícia.

A burocracia não pode, portanto, realizar o cálculo econômico, já os empreendedores no livre mercado estão em posição para fazê-lo e são forçados a dirigir recursos escassos para os usos mais importantes. [13]

A burocracia é, portanto, necessariamente antieconômica. As perdas produzidas por ela são compensadas por aumentos de impostos (ou por empréstimos, desse modo, futura tributação). O fato de que há incentivos para desperdício, corrupção e baixo desempenho é óbvio.

A provisão de bens (e, acima de tudo, as mercadorias que normalmente são declaradas como bens públicos, como a segurança, defesa e justiça) no livre mercado é, em qualquer caso, portanto, mais econômica do que quando é provida pelo estado com sua burocracia. [14]

Armadilhas do Intervencionismo

Se, contudo, é tomada a posição de que o estado deve assumir determinadas tarefas – como, por exemplo, melhorar condições indesejáveis (tais como evitar um aumento no custo da habitação) – A pergunta chave é essa:

É possível que o estado nunca alcance os objetivos que ele diz querer alcançar? Essa pergunta chama a atenção para os problemas do intervencionismo. [15]

O conceito de intervencionismo significa que o estado intervém ocasionalmente nos acontecimentos do livre mercado. Ele, por exemplo, cria ordens e proibições, dá instruções e aumenta impostos a fim de atingir determinados objetivos.

Sujeitando o intervencionismo a uma análise crítica, torna-se claro que ele não pode atingir os seus objetivos; que ele cria uma situação mais desfavorável do que aquela que se queria melhorar por meio do intervencionismo.

Isto pode ser ilustrado com um exemplo simples. Suponha que o governo adote um salário mínimo (que é maior do que o salário de equilíbrio de mercado), a fim de aumentar os ganhos dos trabalhadores pouco qualificados.

Depois disso, o emprego diminui: empresários estão agora demandando menos trabalho do que antes. Este é, naturalmente, um resultado indesejado. Os defensores do intervencionismo irão reagir.

Eles decidem, por exemplo, proporcionar de outra forma às empresas um alívio de custos para que elas possam pagar o salário mínimo. Para isso, o governo adota agora um preço máximo para a eletricidade, por exemplo (que é inferior ao preço de equilíbrio do mercado).

Em seguida, diminui-se o fornecimento de energia, porque nem todos os fornecedores de eletricidade podem operar de forma lucrativa com o novo preço máximo. A produção e o emprego atuais já não podem ser mantidos. A situação piorou ainda mais.

O governo irá, se mantiver o intervencionismo, sempre se envolver cada vez mais nas atividades do mercado. Mais cedo ou mais tarde eles terão que definir tudo: salários, preços de mercadorias, taxas de juros. Eles precisarão organizar, quem, o que, quando e quanto será produzido e quem, o quê, quando e quanto receberá.

E o estado também tem de criminalizar e penalizar violações das suas disposições. O intervencionismo termina em uma economia de coerção (em que a propriedade permanece apenas formalmente mantida) ou no socialismo (em que os meios de produção são estatizados).

No entanto, ambas as formas de gestão econômica socialistas não são permanentemente viáveis e devem falhar; porque o socialismo é inviável. O estado não é, por se dizer, onipotente. Existem leis econômicas acima dele que ele não pode ignorar, pelo menos não de forma permanente.

Divide et impera

No contexto do que foi dito, surge a pergunta: se a política fiscal é improdutiva e reduz o bem-estar, se ela não consegue alcançar seus objetivos, por que é que continuamos presos a ela?

E por que é que a política fiscal tem sido expandida cada vez mais nas últimas décadas? Os impostos estão sendo ressuscitados em todos os lugares, a dívida tem crescido, o nível de regulação tem aumentado, etc.

Uma resposta possível é referente à ignorância econômica da natureza e das consequências da política fiscal.

Outra resposta é que as receitas e despesas estatais são (abertamente ou a portas fechadas) acolhidas por várias pessoas.

Pois o estado (como o conhecemos hoje) opera sob o lema “Divide et impera”, ou seja: “dividir para governar” [16].

Ele não só cria vítimas através da tributação. O estado também cria beneficiários (além de si mesmo). De acordo com o lema: Paul toma alguma coisa e passa parte para Peter, depois de ter servido a si mesmo.

O estado, por exemplo, garante para muitas pessoas postos de trabalho estáveis e para um empresário ele fornece lucrativos contratos.

Para muitos intelectuais, ele dá uma renda e prestígio (que eles provavelmente não teriam sem ele). Além disso, o estado tem a soberania sobre a aposentadoria da maioria dos cidadãos. Ele determina quem recebe o quê na velhice.

O estado coloca, desta forma, cada vez mais pessoas em sua dependência – ou mais e mais pessoas estão dispostas a ficar sob a dependência de estado.

E enquanto as pessoas acreditarem que elas se beneficiarão do estado como um todo, elas não serão infiéis a ele, na verdade, elas estarão dispostas a se entregar mais intensamente à sua dependência.

Assim, para que o estado possa manter ou expandir seu poder, ele deve fazer com que a maioria se beneficie ou acredite se beneficiar dele. Para isso, ele precisa sobretudo aumentar sua força financeira.

A política monetária é a política fiscal

No entanto, a tributação aberta tem seus limites: As pessoas notam (pela diferença entre bruto e líquido) que algo está sendo tirado delas e se os impostos ficarem muito altos, elas desejarão em algum momento o fim destes.

O estado tem uma maneira mais atraente de chegar ao dinheiro dos cidadãos: o endividamento. Os dados mostram inequivocamente como é fácil e funciona bem e que com o passar do tempo a dívida pública cresce em comparação com a economia em muitos países.

A maioria das pessoas – quando eles se acostumaram com a existência de um estado que as tributa – estão de fato preparadas a emprestar suas poupanças para o estado de forma voluntária.

Pelo fato da dívida ser tão atrativa (ninguém parece ter uma desvantagem!) para o estado (e para os grupos dele beneficiados), o estado tem um grande interesse que as taxas de juros permaneçam baixas ou abaixando.

Para o estado é, portanto, particularmente vantajoso obter o controle sobre a produção de moeda e da moeda-mercadoria que ele substitui pelo seu próprio dinheiro intrinsecamente inútil.

O dinheiro de papel que pode ser arbitrariamente inflacionado concede ao estado ou ao seu banco central os empréstimos em circulação e dessa maneira ele pode controlar mais ou menos perfeitamente a taxa de juros.

O estado brinca então com um aumento incessante da oferta de dinheiro e com a inflação rastejante associada a tal aumento. Por exemplo, durante uma “progressão fria” (Bracket Creep). [17]

Naturalmente, o estado se esforçará para esconder o seu efeito improdutivo o maior tempo possível. Por exemplo, através da promoção de doutrinas econômicas que legitimam o estado e suas políticas fiscais.

Ele também vai se esforçar para fazer a tributação – e redistribuição – se tornarem imperceptíveis de modo que o cidadão já não sabe se ele é, no líquido, um membro do grupo de aproveitadores ou do grupo de feridos pelo estado.

No entanto, dado o seu efeito improdutivo, é apenas uma questão de tempo antes que a política fiscal do estado – tributação e redistribuição – seja visivelmente realizada pela política monetária.

Pois através da política monetária, um novo nível de ocultação das políticas tributárias e de redistribuição pode ser alcançado. [18]

O banco central do estado manipula, por exemplo, as taxas de juros de mercado, mantendo-as artificialmente baixas e expande cada vez mais a oferta de dinheiro, para beneficiar os cambaleantes devedores às custas dos credores.

As taxas de juros artificialmente baixas reduzem o cálculo de juros do devedor (em particular dos estados). Os credores perdem rendimento de juros.

A emissão de novo dinheiro leva a preços mais altos dos bens (em comparação com uma situação em que a quantidade de dinheiro não teria sido expandida).

O proprietário das mercadorias cujos preços estão subindo será favorecido (ou seus preços não caem). Prejudicados serão aqueles que não podem comprar a mercadoria sem preços baixos.

E não só isso: Os primeiros a receber o novo dinheiro vão ser favorecidos em detrimento dos receptores tardios do novo dinheiro. Isto é, o destinatário inicial pode comprar os bens com preços ainda inalterados.

Quando o novo dinheiro se espalha na economia, os preços ascendem (são superiores em comparação com uma situação em que a quantidade de dinheiro não tivesse sido aumentada). Os receptores finais do novo dinheiro podem comprar coisas apenas com os preços já aumentados. Eles são mais pobres em comparação aos primeiros receptores.

Se as fontes de tributação do rendimento e da dívida foram esgotadas, resta uma política que tenta esconder as consequências do efeito improdutivo do estado, não somente através do financiamento da imprensa eletrônica. Ludwig von Mises escreveu em janeiro 1923:

“Vimos que, se um governo não está em posição de negociar empréstimos e não se atreve a impor tributação adicional por medo de que os efeitos econômicos e financeiros gerais serão revelados muito claramente muito cedo, de modo que ele vai perder apoio para seu programa, ele sempre considera que é necessário tomar medidas inflacionárias. Assim a inflação torna-se um dos mais importantes apoios psicológicos para uma política econômica que tenta camuflar seus efeitos. Nesse sentido, pode ser descrita como um instrumento de política antidemocrática. Enganando a opinião pública, ela permite um sistema de governo continuar algo que não teria esperança de receber a aprovação do povo se as condições fossem francamente explicadas a eles.” [19]

A revelação

Portanto, a revelação – a essência da política fiscal – deve estar clara agora: É uma política socialista.

A política fiscal pode ser entendida como um cavalo de Tróia. Ela vem cheia de promessas, mas ela é um instrumento que passo a passo e aos poucos mina a economia de livre mercado e a transforma em mais ou menos uma comunidade socialista.

Dado tal gradualismo, é adequado citar Friedrich August von Hayek (1899 – 1992). Em “A Constituição da Liberdade” (1960), ele escreveu que:

“O socialismo tem sido geralmente abandonado como um objetivo a ser deliberadamente procurado, mas não é de modo algum certo que nós não iremos estabelecê-lo, ainda que involuntariamente. Os reformadores que se limitam a quaisquer métodos que pareçam ser os mais eficazes para os seus fins particulares e não prestam atenção ao que é necessário para preservar um mecanismo eficaz de mercado são mais propensos a serem levados a impor mais controle central nas decisões econômicas (embora a propriedade privada possa estar preservada no nome) até chegarmos nesse mesmo sistema de planejamento central que poucos agora conscientemente desejam ver estabelecido”. [20]

O desenvolvimento, que Hayek colocou em perspectiva, não é de forma alguma impossível, mas não segue uma necessidade histórica.

Porque. em última análise, são as ideias que são responsáveis pela ação humana. Em Socialismo (1932), uma refutação teórica em grande escala ao socialismo, Ludwig von Mises escreveu:

“As ideias podem ser superadas apenas por ideias. O socialismo pode superar somente as ideias do capitalismo e do liberalismo. Apenas na luta de espíritos que essa decisão pode ocorrer. ” [21]

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Por esta razão, Senhoras e Senhores, as conferências, onde basicamente o estado, suas ações e as consequências para a vida econômica e social podem ser consideradas e debatidas criticamente, são de extrema importância.

Porque elas trazem competição ao debate de ideias. Através dele podemos esperar que as ideias melhores prevalecerão; que o keynesianismo será desencantado como uma teoria inconsistente, incorreta, cuja aplicação na prática reduziu a prosperidade, desenvolvendo efeitos injustos e anti-liberdade.

Tanto maior devem ser, portanto, os nossos agradecimentos, que eu gostaria de expressar aos organizadores da conferência de Gottfried von Haberler. Um agradecimento muito especial é dado ao diretor acadêmico da conferência, o Professor Kurt Leube.

Senhoras e Senhores, espero que meu papel não tenha sido só estimulante para vocês, mas também um pouco emocionante.

Obrigado por sua atenção.

Artigo Original

Tradução por Francisco Litvay

Revisão por Daniel Chaves Claudino

Literatura

– Boyes, W. J. (2014), The Keynesian Multiplier Concept Ignores Crucial Opportunity Costs, em: The Quarterly Journal of Austrian Economics, Vol. 17, No. 31, Fall, pp. 327 – 337.
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– Grossekettler, H. (2003), Öffentliche Finanzen, em: Vahlens Kompendium der Wirtschaftstheorie und Wirtschaftspolitik, Band 1, 8., überarbeitete Auflage, Verlag Franz Vahlen, München, S. 561 – 717.
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– Rothbard, M. N. (2009), Man, Economy, and State, The Scholar’s Edition, Ludwig von Mises Institute, Auburn, US Alabama.
– Rothbard, M. N. (1973), For A New Liberty. The Libertarian Manifesto, Ludwig von Mises Institute, Auburn, US Alabama.
– Rothbard, M. N. (1957), In Defense of extreme apriorism, em: Southern Economic Journal, January 1957, pp. 314 – 320.
– Woll, A. (1996), Allgemeine Volkswirtschaftslehre, 12. Auflage, Verlag Franz Vahlen, München.

Notas

[1] Ver por exemplo: Hoppe (2009), Economic Science and the Austrian Method; Mises (1933), Grundprobleme der Nationalökonomie; Mises (1940), Nationalökonomie. Theorie des Handelns und Wirtschaftens; Rothbard (2002), In Defense of Extreme Apriorism; Rothbard (2011), Praxeology: The Methodology of Austrian Economics, siehe auch Puster (2015), Dualismen und Hintergründe, insb. p. 14 – 28.
[2] Hoppe (2006), Socialism: A Property or Knowledge Problem?; ver também Polleit (2016), Hayek’s ‘denationalization of money’ – a praxeological reassessment (por vir).
[3]  Em Hoppe (2006), The Economics and Sociology of Taxation.
[4] A frase “O homem age” não pode ser contestada. Quem diz, por exemplo, os seres humanos não agem, age – e, portanto, contradiz o que foi dito. A partir da frase “o homem age” seguem mais reconhecimentos lógicos e verdadeiros: para agir o ser humano que age precisa utilizar meios (bens). Estes recursos são escassos – porque se não o fossem, não seriam bens. Ação precisa de tempo. Ação atemporal é impensável – caso contrário os objetivos pretendidos pelo realizador seriam diretamente atingidos, e agir não seria mais possível – isso não pode ser concebido sem contradição. Como tempo é sempre necessário como meio de ação humana (e, portanto, o tempo é escasso), o agente humano é irá preferir mais de um bem do que menos; e ele preferirá ter seus objetivos cumpridos antes do que depois. É exatamente isso que chamamos de preferência temporal. Para ver mais esclarecimentos sobre preferência temporal, ver Mises (1998), Human Action, Chapter 18 und 19; também Hoppe (2006), Democracy – The God That Failed, aqui: On Time Preference, Government, and the Process of Decivilization, S. 1 – 43.
[5] Ver também Hoppe (2010), A Theory of Socialism and Capitalism, Chapter 8, p. 173 – 196.
[6] Mas por que isso acontece, que os preços e os salários não caem na quantidade suficiente para se ajustarem aos fatores de produção exigidos pela demanda? As empresas podem estar relutantes em ajustar os preços para baixo, porque elas esperam que a fraqueza de vendas será de curta duração. Então elas especulam sobre um futuro melhoramento da situação económica. Se cumprida a sua avaliação, as suas ações corporativas foram bem-sucedidas. Se a situação esperada não acontece, elas acabarão por ter de se adaptar – e têm talvez, assim, que absorver perdas mais elevadas em comparação com o caso em que elas teriam já ajustado anteriormente. Podem haver um monte de razões de porque os salários não ajustam para baixo. A maioria delas são políticas. Por exemplo, as empresas preferem em tempos economicamente difíceis, reduzir a força de trabalho em vez dos salários. O motivo: cortes salariais encontram resistência, especialmente dos sindicatos. Assim é mais atraente enviar trabalhadores (principalmente os menos produtivos) ao desemprego e deixá-los na conta dos programas estatais de apoio a desempregados.
[7] Observar, por exemplo, Woll (1996), Allgemeine Volkswirtschaftslehre, p. 362 – 365.Para uma crítica posterior, ver Boyes (2014), The Keynesian Multiplier Concept Ignores Crucial Opportunity Costs.
[8] Por exemplo, Fishback e Kachanovska (2015) determinaram que para o período da Grande Depressão os multiplicadores estavam entre 0,4-0,96. Ou seja, um dólar americano gasto, pelo governo dos Estados Unidos, deslocava entre 4 e 60 por cento de gastos privados. Em outras palavras, o efeito multiplicador aqui também foi negativo.
[9] Não adentraremos mais no aspecto ético da política fiscal aqui.
[10] Para uma ilustração do argumento dominante ver, por exemplo Grossekettler (2003), finanças públicas, especialmente p575 -.585. Para uma crítica da teoria dos bens públicos veja Hoppe (2006), Fallacies of the Public Goods Theory and the Production of Security.
[11] Um pãozinho do café da manhã é, por exemplo, um bem privado. A defesa nacional, diz-se, por exemplo, é um bem público. Mas uma seletividade única entre bens públicos e privados não existe: Basta pensar que estradas e faróis foram ofertados primeiramente de forma privada, e só depois, ofertados como bens públicos
[12] Este é um non sequitur: Se você ver um macaco passeando de bicicleta, você não pode logicamente concluir que só os macacos podem andar de bicicleta.
[13] Ver em Mises (1940), Nationalökonomie, p. 188 – 198.
[14] Aqui deve ser referenciada literatura relevante. Por exemplo, Rothbard (1973), For A New Liberty, Part II., 12. “The Public Sector: Policy, Law, and the Courts”, p. 301 – 327; Hoppe (2006), On Government and the Private Production of Defense p. 239 – 265; Hoppe (2012), The Private Production of Defense, p. 173 – 198.
[15] Veja aqui: Mises (2013), Kritik des Interventionismus. Untersuchungen zur Wirtschaftspolitik und Wirtschaftsideologie der Gegenwart.
[16] Hoppe (2010), A Theory of Socialism and Capitalism, p. 182.
[17] Salários sobem com a inflação. Simultaneamente, a tributação marginal sobe, embora a renda real não tenha crescido. Se trata da “tributação fria” quando os impostos de renda não são ajustados para a inflaçãoção (que eu via de regra não é o caso).
[18] O estado também fornece a ficção de que funcionários do governo pagam impostos. “Para fins contábeis” eles fazem isso de facto, mas eles não o fazem realmente. Se todos (os produtivos e os funcionários do Estado) não pagassem mais impostos, os salários dos funcionários públicos não iriam de “líquido” para “bruto”. Iriam ser “zero” em vez de líquido.. Ver Hoppe (1987), Eigentum, Anarchie und Staat, p. 24.
[19] Mises (1923), Die geldtheoretische Seite des Stabilisierungsproblems, p. 32.
[20] Hayek (1960), Die Verfassung der Freiheit, p. 327.
[21] Mises (1932), Die Gemeinwirtschaft, p. 471.

 

Thorsten Polleit

Dr. Thorsten Polleit é Economista Chefe da Degussa e conselheiro macroeconômico do fundo P&R REAL VALUE. Ele é Professor Honorário da University of Bayreuth.

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